O som do vento estremecia
os cascalhos no chão da atmosfera ao redor. Ele estava submerso em um sonho.
Era distante, inacessível, confuso. As imagens nao saberiam dizer o que elas
eram, nem para que existiam. Mas continuavam lá, no obscurecido. Algo lhe
dizia que as coisas nunca mais seriam as mesmas. Um pássaro lhe pousava no
ombro esquerdo. Um outro lhe rodeava o topo da cabeça. Sua memória se
transformava, de acordo com a mudança de seu pensamento. Lembrava um passado
que nunca de fato tinha existido, pelo menos nunca havia sentido daquela forma,
mas que muito lhe serveria agora, quando passava a existir. Esquecia o que não
era, e inventando novas memórias, estava esculpindo um novo mundo. O som do
vento empurrava as pedras ladeira a baixo. Era o som do mergulho dessas pedras
no abismo lhe entoando novos cantos. O canto de lá, do outro lado do conhecido.
O desconhecido encantado. O canto dos pássaros. As pedras não tinham mais gravidade. Rolavam sem dor,
mesmo machucando a poeira adormecida no chao. Arrastavam-se. Estava escuro, e a
luz da sua lamparina nao era suficiente para iluminar todo o descampado, mas lhe
bastava para fazer perceber o pequeno circulo ao seu redor. As sombras das crateras
e montes distantes dançando na parede do chão, como bailarinos efeitiçados. No céu
somente estrelas e rasgos de tintas inexplicáveis. Todos os roxos incontáveis
naquele pedaço de tonalidades sem fim. Respirava ofegante, abria os olhos e via
de longe seu planeta flutuando no espaço. Aquele que chamam Terra. Um ponto
azul no distante sidereal. Estava sozinho vislumbrando aquela paisagem. Ela sempre
estivera lá. Ele sempre estivera sozinho. Agora, mais sozinho do que nunca, do
que nunca a solidão jamais pode estar, ele estava respirando o ar puro do
infinito, e o gosto da lua embaixo da boca, flutuando no paladar. Começava sua viagem pelas pedras
brancas dos tijolos do caminho dourado, para além dos pequenos insignificantes
montes…Começava, para além do insuportável na linha do horizonte, o seu celeste destino
lunar.
O buraco dos olhos
Existia um homem atrás da lua
O buraco da face gelada na escuridão
Existia um rosto por trás da máscara
A noite guardava o segredo da nossa
impossibilidade:
“Nunca encostar numa escultura esculpida
de sonhos”…
“Nunca voar como um pássaro nos cumes do
mais alto monte”
A noite era a pálpebra do nosso desejo
sonhar um paraíso desenhando pela
firmeza das nuvens
O buraco dos olhos na face lunar
os teus olhos não sabiam enxergar
não sabiam se abrir, quando eu gritava:
- Eu sou a tua resposta
Eles não sabiam ver,
Os teus olhos não sabiam me escutar
nos fundos dos mundos dos coqueiros
calados nas bordas do paraíso
Eles ventavam as lágrimas dos destinos
traçados pelos sonhos comuns,
Os sonhos dos homens
noturnos e mundanos,
os sonhos dos nossos tempos de esperança
e fé
o sonho de nos encontramos no amanhã
além da carne
Na carne dos tempos além dos mundos
controlados
Das verdades produzidas pelos ventos de
mentira
Viveremos todos a beleza dos
desenhos das nuvens,
o que seremos?
Nuvens e sonhos
Cores e nuvens
E o que teremos sido?
Somente aquilo que foi percebido?
E o outro lado,
O lado de lá?
O evergonhado, o nunca mostrado e
o fingido?
Existia um homem atrás da lua,
A lua estava nua
E o homem estava de vestido
O que teremos sido?
Somente as falas brandas,
Ou também os rumores escurecidos?
As palavras dos poetas mortos
E os pensamentos
Que nunca teremos lido
O vazio das letras do luar
O buraco dos olhos
O vazio nas falas do pensar
Os caminhos sempre tortos
A falta de coragem para amar
A lembrança dos nossos mortos
Existia um silêncio nas ruas
Existia algo para ser preenchido
O homem atrás do satélite
Estaria ele corrompido, ou seria a
corrupção
Uma verdade somente sua,
Nas guias das ruas da minha
loucura,
As asas da imaginaçao quando negro
os buracos na lua?
Os olhos esburacados
chorados e feridos
existia um rosto por trás da máscara
e um homem atrás da lua
Despercebido
Vivia e chorava
Chorava e sorria
Como se nunca tivesse existido
Como se nunca tivesse sofrido
Apagava uma vela
Acenava um adeus
Como se nunca nada tivesse significado
Como se nada nunca tivessem dito
O silêncio lhe guardava os passos
As memórias eram o seu silêncio
Os olhos da cara
Choravam
Como se nunca tivessem sofrido
Vivia numa misógina Terra de homens que
matam homens
Incompreendido
Vivia para seus anjos como se eles nunca
houvessem caído
Numa orgia inconsciente de almas
Como se elas nunca houvessem morrido
Na Terra de homens que amam os homens
como se ele nunca houvesse nascido
Tinha um buraco nos olhos
E olhava para o mundo
Como se nunca tivesse nos visto
existia um mundo que nos era proibido
um destino de argila
feito de barro era esse mundo corrompido
corrompia o nosso esculpir
esculpia o homem seu próprio ser
sem sonhos em triste emplastro
um espelho de olhos esburacados
esculpidos
palavras em sonhos de viver e morrer
de momentos e amores
que somente poderiam ter sido
O buraco dos olhos
Existia um homem atrás da lua
E um rosto por trás dos olhos
Envelhecido
milagres no berço de um sorrir
fazia existência
fluir na face do sorriso no rosto
diluído
a vida em eterna permanência, o nosso
fim, as estrelas e os buracos da lua
as vozes que além de mim são os ecos
rebatendo nos cantos do fim da rua
as ondas nos rochedos, as luzes das
estrelas despencando dos céus, as lágrimas nos penedos, as vozes de quem amamos
no silêncio das letras no papel... o iluminado e o sempre oculto
despercebido
vazio na imensidão do céu
existia um homem atrás da lua
uma placa de sem saída fincada no chão da
rua
e uma espera que não acaba entre a vida
que é de fato minha
e aquela que seria somente sua
A cara da solidão pichada nos muros do
fim dos nossos dias
Lágrimas escorridas são as noites de
silêncio e chuva,
o buraco nos olhos, quando choramos
desaguamos os nossos afetos em todos nós
em todos que somos sós e mais do que
sozinhos
somos o silêncio dos tijolos que morrem
escarnecidos no concreto do muro
somos o que fomos e o que suportamos ser
"enquanto sozinho perduro"
somos os próprios ladrilhos dos próprios
traçados caminhos
somos a vida dos olhos que transformam
os buracos,
a saída do fim da rua, os vestidos dos
homens nos ternos de linho, somos o fio, a tesoura, o corte, somos a espera de
um amanhecer que nunca sentirá a sua morte e o seu escárnio,
somos o homem dançando descalço no outro
lado da lua
a chama que vence o cansaço e o
desespero
a solidão e a dor
o lobo solitário
o uivo do perdulário,
o espaço de silêncio nao refratário
entre a vida e a morte
o frio e o medo de estar
contemplando todo o espetáculo do invencível céu ,infinito, temerário,
incondicional
das estradas do outro lado da lua
somos as lágrimas dos olhos do homem de
vestido
que dança sozinho
sem saída
no fim da festa
bêbado
no velho manjado bar do fim da rua
louco e incompreendido
somos as pegadas do homem que mora do
outro lado...
do lado de la existia...
existia um homem do lado de lá, dentro
do mundo que não conseguia ser todo mundo dentro de todos nós
e o eco do seu sorriso brilhando no
outro lado, também existia,
a voz que além de minha era também a sua
chama imortal da vela que arde
verdade incontestável e crua
que arde e perdura
através dos mistérios dos dias de uma
vida bela e intensa
por vezes demais dura, dura demais
por vezes demais profunda
para caber fora do buraco
dos olhos fundeados na face escura
do homem que existia, que nascia e que
morria
todos os dias,
nos sonhos das noites escuras do outro
lado…
no outro lado da lua
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