sábado, 8 de fevereiro de 2014

O HOMEM NA LUA



O som do vento estremecia os cascalhos no chão da atmosfera ao redor. Ele estava submerso em um sonho. Era distante, inacessível, confuso. As imagens nao saberiam dizer o que elas eram, nem para que existiam. Mas continuavam lá, no obscurecido. Algo lhe dizia que as coisas nunca mais seriam as mesmas. Um pássaro lhe pousava no ombro esquerdo. Um outro lhe rodeava o topo da cabeça. Sua memória se transformava, de acordo com a mudança de seu pensamento. Lembrava um passado que nunca de fato tinha existido, pelo menos nunca havia sentido daquela forma, mas que muito lhe serveria agora, quando passava a existir. Esquecia o que não era, e inventando novas memórias, estava esculpindo um novo mundo. O som do vento empurrava as pedras ladeira a baixo. Era o som do mergulho dessas pedras no abismo lhe entoando novos cantos. O canto de lá, do outro lado do conhecido. O desconhecido encantado. O canto dos pássaros. As pedras não tinham mais gravidade. Rolavam sem dor, mesmo machucando a poeira adormecida no chao. Arrastavam-se. Estava escuro, e a luz da sua lamparina nao era suficiente para iluminar todo o descampado, mas lhe bastava para fazer perceber o pequeno circulo ao seu redor. As sombras das crateras e montes distantes dançando na parede do chão, como bailarinos efeitiçados. No céu somente estrelas e rasgos de tintas inexplicáveis. Todos os roxos incontáveis naquele pedaço de tonalidades sem fim. Respirava ofegante, abria os olhos e via de longe seu planeta flutuando no espaço. Aquele que chamam Terra. Um ponto azul no distante sidereal. Estava sozinho vislumbrando aquela paisagem. Ela sempre estivera lá. Ele sempre estivera sozinho. Agora, mais sozinho do que nunca, do que nunca a solidão jamais pode estar, ele estava respirando o ar puro do infinito, e o gosto da lua embaixo da boca, flutuando no paladar. Começava sua viagem pelas pedras brancas dos tijolos do caminho dourado, para além dos pequenos insignificantes montes…Começava, para além do insuportável na linha do horizonte, o seu celeste destino lunar.


O buraco dos olhos
Existia um homem atrás da lua
O buraco da face gelada na escuridão
Existia um rosto por trás da máscara

A noite guardava o segredo da nossa impossibilidade:
“Nunca encostar numa escultura esculpida de sonhos”…           
“Nunca voar como um pássaro nos cumes do mais alto monte”


A noite era a pálpebra do nosso desejo
sonhar um paraíso desenhando pela firmeza das nuvens

O buraco dos olhos na face lunar
os teus olhos não sabiam enxergar
não sabiam se abrir, quando eu gritava:

- Eu sou a tua resposta

Eles não sabiam ver,
Os teus olhos não sabiam me escutar
nos fundos dos mundos dos coqueiros calados nas bordas do paraíso
Eles ventavam as lágrimas dos destinos traçados pelos sonhos comuns,
Os sonhos dos homens
noturnos e mundanos,
os sonhos dos nossos tempos de esperança e fé
o sonho de nos encontramos no amanhã além da carne
Na carne dos tempos além dos mundos controlados
Das verdades produzidas pelos ventos de mentira

Viveremos  todos a beleza dos desenhos das nuvens,
o que seremos?

Nuvens e sonhos
Cores e nuvens

E o que teremos sido?

Somente aquilo que foi percebido?
E o outro lado,
O lado de lá?

O evergonhado, o nunca mostrado e o fingido?

Existia um homem atrás da lua,
A lua estava nua
E o homem estava de vestido

O que teremos sido?
Somente as falas brandas,
Ou também os rumores escurecidos?

As palavras dos poetas mortos
E os pensamentos
Que nunca teremos lido

O vazio das letras do luar
O buraco dos olhos
O vazio nas falas do pensar
Os caminhos sempre tortos
A falta de coragem para amar
A lembrança dos nossos mortos

Existia um silêncio nas ruas
Existia algo para ser preenchido

O homem atrás do satélite
Estaria ele corrompido, ou  seria a corrupção
Uma verdade somente sua,
Nas guias das ruas da minha loucura,
As asas da imaginaçao quando negro os buracos na lua?

Os olhos esburacados
chorados e feridos
existia um rosto por trás da máscara
e um homem atrás da lua
Despercebido
Vivia e chorava
Chorava e sorria
Como se nunca tivesse existido
Como se nunca tivesse sofrido
Apagava uma vela
Acenava um adeus
Como se nunca nada tivesse significado
Como se nada nunca tivessem dito
O silêncio lhe guardava os passos
As memórias eram o seu silêncio
Os olhos da cara
Choravam
Como se nunca tivessem sofrido
Vivia numa misógina Terra de homens que matam homens
Incompreendido
Vivia para seus anjos como se eles nunca houvessem caído
Numa orgia inconsciente de almas
Como se elas nunca houvessem morrido
Na Terra de homens que amam os homens
como se ele nunca houvesse nascido

Tinha um buraco nos olhos
E olhava para o mundo
Como se nunca tivesse nos visto


existia um mundo que nos era proibido
um destino de argila
feito de barro era esse mundo corrompido
corrompia o nosso esculpir
esculpia o homem seu próprio ser
sem sonhos em triste emplastro  
um espelho de olhos esburacados
esculpidos
palavras em sonhos de viver e morrer
de momentos e amores
que somente poderiam ter sido

O buraco dos olhos
Existia um homem atrás da lua
E um rosto por trás dos olhos
Envelhecido

milagres no berço de um sorrir
fazia existência
fluir na face do sorriso no rosto diluído
a vida em eterna permanência, o nosso fim, as estrelas e os buracos da lua
as vozes que além de mim são os ecos rebatendo nos cantos do fim da rua
as ondas nos rochedos, as luzes das estrelas despencando dos céus, as lágrimas nos penedos, as vozes de quem amamos no silêncio das letras no papel... o iluminado e o sempre oculto despercebido
vazio na imensidão do céu

existia um homem atrás da lua
uma placa de sem saída fincada no chão da rua
e uma espera que não acaba entre a vida que é de fato minha
e aquela que seria somente sua 

A cara da solidão pichada nos muros do fim dos nossos dias
Lágrimas escorridas são as noites de silêncio e chuva,
o buraco nos olhos, quando choramos
desaguamos os nossos afetos em todos nós
em todos que somos sós e mais do que sozinhos
somos o silêncio dos tijolos que morrem escarnecidos no concreto do muro
somos o que fomos e o que suportamos ser
"enquanto sozinho perduro"
somos os próprios ladrilhos dos próprios traçados caminhos
somos a vida dos olhos que transformam os buracos,
a saída do fim da rua, os vestidos dos homens nos ternos de linho, somos o fio, a tesoura, o corte, somos a espera de um amanhecer que nunca sentirá a sua morte e o seu escárnio,
somos o homem dançando descalço no outro lado da lua
a chama que vence o cansaço e o desespero
a solidão e a dor
o lobo solitário
o uivo do perdulário,
o espaço de silêncio nao refratário entre a vida e a morte
o frio e o medo de estar  contemplando todo o espetáculo do invencível céu ,infinito, temerário, incondicional  
das estradas do outro lado da lua
somos as lágrimas dos olhos do homem de vestido
que dança sozinho
sem saída
no fim da festa
bêbado
no velho manjado bar do fim da rua
louco e incompreendido
somos as pegadas do homem que mora do outro lado...

do lado de la existia...
existia um homem do lado de lá, dentro do mundo que não conseguia ser todo mundo dentro de todos nós
e o eco do seu sorriso brilhando no outro lado, também existia,
a voz que além de minha era também a sua
chama imortal da vela que arde
verdade incontestável e crua
que arde e perdura
através dos mistérios dos dias de uma vida bela e intensa
por vezes demais dura, dura demais
por vezes demais profunda
para caber fora do buraco
dos olhos fundeados na face escura
do homem que existia, que nascia e que morria
todos os dias,
nos sonhos das noites escuras do outro lado…

no outro lado da lua

FC

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